Sobre a onda anti-ESG

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Mal se consolidou como uma nova forma de fazer negócios, o ESG começa a receber os primeiros ataques. Aqui e acolá, principalmente nos EUA, surgem vozes defendendo que a pauta ESG prejudica as empresas e seus acionistas. Nas últimas semanas, um acionista do Starbucks processou os conselheiros e executivos da companhia, sob o argumento de que suas ações afirmativas em benefício de grupos raciais sub-representados violam o princípio da igualdade consagrado na legislação norte-americana. Tim Cook, CEO da Apple, recebeu uma carta de um acionista da gigante digital, com o incisivo pedido de que as contratações voltem a ser decididas com base em mérito e não em raça, gênero ou questões políticas. A Unilever acaba de anunciar a troca de seu CEO, acusado por alguns investidores de foco excessivo na agenda ESG em detrimento do negócio. Movimento semelhante ocorreu na Danone em 2021. A crise energética causada pela guerra da Ucrânia vem impondo novos desafios à transição energética, colocando em xeque o ritmo de descontinuação dos combustíveis fósseis. Mais de 15 estados norte-americanos já aprovaram legislações anti-ESG, proibindo instituições financeiras de recusarem investimento a determinadas indústrias por seus impactos ambientais ou sociais negativos e, em outros casos, vedando fundos públicos a alocarem recursos em companhias que investem em ESG por qualquer razão que não seja a busca de maximização do retorno ao acionista.

Infelizmente, a polarização chegou ao ESG.

Mas a verdade é que, como em diversos outros temas, o enquadramento dessa discussão em termos maniqueístas – que considerem o ESG inerentemente vantajoso ou inerentemente prejudicial às empresas – induz a opinião pública a erro. É inquestionável que as empresas têm um papel fundamental na construção de um futuro mais justo, inclusivo, sustentável e próspero. A pergunta correta que devemos fazer é: qual a estratégia/abordagem ESG mais eficaz para cada empresa, para contribuir com esse futuro desejado, gerando valor para acionistas, colaboradores, clientes, fornecedores, comunidades e para a sociedade em geral, com o menor prejuízo possível – e quem sabe até impacto positivo/regenerativo – para o meio ambiente? Em termos mais diretos: é inútil discutir se a agenda ESG, em tese, é boa ou ruim; a discussão correta é sobre quais estratégias/abordagens ESG geram valor para cada empresa no longo prazo.

Estratégias ESG que geram valor são estratégias inteligentes e têm algumas características em comum:

Em primeiro lugar, elas estabelecem prioridades claras, focando temas materiais para o negócio, ou seja, questões sociais, ambientais e de governança que os stakeholders (clientes, investidores, colaboradores, comunidades etc) esperam que a empresa enderece e que, por outro lado, a empresa deseja ou precisa gerenciar para assegurar sua longevidade e rentabilidade. Para melhor compreendermos o conceito de materialidade ESG, vale recorrer a um exemplo:

Para um posto revendedor de combustíveis, por exemplo, é pouco material doar dinheiro para uma ONG de esportes para crianças carentes – ainda que o valor filantrópico dessa ação seja indiscutível. Por outro lado, investimentos na prevenção de vazamento de combustíveis e de odores desagradáveis para a comunidade do entorno são temas altamente materiais, assim como proteger a saúde, segurança e bem-estar dos frentistas. Investimentos como os dois últimos citados beneficiam o negócio, evitando perdas, desperdício, acidentes, desengajamento, baixa produtividade etc., ao mesmo tempo em que atendem a necessidades/interesses de colaboradores e da vizinhança.

Mas há espaço para inovar ainda mais com a agenda ESG como inspiração. Para seguir no mesmo exemplo, cito um caso real de um posto revendedor que contratava apenas PCDs (pessoas com deficiência) como frentistas. Essa estratégia partiu de um propósito pessoal do empreendedor e acabou gerando um ganho reputacional e financeiro significativo, que foi desde a fidelização e atração de clientela, sensibilizada pela causa abraçada pelo empresário, até o apoio financeiro de clientes e parceiros durante a pandemia para evitar o fechamento do estabelecimento.

Considerando que o potencial de retorno para o empreender das doações para a entidade esportiva de crianças carentes é muito menor, onde é mais importante, mais eficaz e mais sustentável alocar seus recursos e esforços?

Em segundo lugar, estratégias ESG inteligentes consideram o grau de maturidade da organização e dos demais stakeholders nos temas a serem endereçados e partem de um alinhamento profundo na alta liderança (executivos, conselho, acionistas) sobre o propósito da empresa e sua ambição ESG. Metas excessivamente ambiciosas, muito descoladas da realidade atual da empresa, podem gerar descrédito e não contribuir para o engajamento dos vários públicos. Por exemplo, nem todas as empresas têm a maturidade cultural (e a capacidade financeira) para liderar campanhas em prol da inclusão LGBT+ como fizeram o Burger King e a Volkswagen, que escolheu um casal gay como protagonista da campanha publicitária do novo Polo. Ambas tiveram que gerenciar críticas severas de uma parte da opinião pública (incluindo clientes) – e tinham envergadura para fazê-lo.

Se você está desenhando uma estratégia ESG autêntica, robusta e consistente, vale a pena iniciar com posicionamentos públicos sobre temas controversos? Não seria melhor investir na conscientização interna dos líderes sobre os vieses inconscientes que impedem vencermos o preconceito ainda fortemente arraigado em nossas organizações e na sociedade? Repito: essas são decisões estratégicas que só podem ser tomadas levando em consideração o propósito, a ambição ESG, a maturidade e as demais circunstâncias peculiares de cada organização. O fundador da Patagônia acaba de doar a empresa para uma fundação sem fins lucrativos, que terá como obrigação investir todo o lucro da empresa em iniciativas ambientais. Essa decisão estratégica é extremamente coerente com o histórico da Patagônia, uma das principais referências mundiais em ética e sustentabilidade. Para a maioria das outras empresas, é provável que não faça sentido algum.

Em terceiro lugar, para serem bem-sucedidas, as estratégias ESG devem ser suportadas por uma Governança Sustentável, ou seja, processos decisórios e de acompanhamento de sua implementação: envolvimento dos mais altos níveis de liderança na criação e execução da estratégia, estruturas (como Comitês de Sustentabilidade, por exemplo) e processos internos que sustentem a implementação consistente das várias frentes de ação, capacitação dos líderes e demais envolvidos em temas de ética e sustentabilidade ambiental e social, para que possam compreender a fundo e apoiar essas ações.

Não existe ESG ruim para a empresa. Existem estratégias ESG equivocadas ou mal implementadas. No mundo complexo em que vivemos, ser ético e sustentável exige visão estratégica, inteligência de negócio e capacidade de inovar. Exige que as empresas saibam desenhar e executar estratégias que incorporam variáveis sociais, ambientais e de governança de forma a gerar valor para todos os stakeholders, inclusive os acionistas, no longo prazo. Quando a agenda ESG não gera valor para a empresa, é muito provável que uma destas situações esteja ocorrendo: (i) a estratégia adotada é pesadamente ancorada em filantropia pura (sem materialidade e conexão com o negócio); (ii) não há alinhamento na alta liderança sobre o propósito e a ambição ESG da organização; (iii) a estratégia está equivocada; ou (iv) a estratégia foi mal executada.

Ser ético e sustentável jamais deverá ser prejudicial à empresa ou a seus acionistas.

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