Ética Organizacional: Tendências e Desafios para 2024

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Nas breves linhas a seguir, compartilho uma lista de tendências e desafios em Ética Organizacional que devemos observar (ou continuar observando) em 2024.

 

  1. Cultura é a chave

Ao longo das últimas décadas, fomos influenciados pela crença de que a ética empresarial dependia de estruturas, processos e controles fortes, que garantissem a prevenção, identificação e punição de desvios. Auditoria, Comitês de Conduta, canais de denúncia, códigos, processos, políticas etc.

Contudo, a sequência interminável de escândalos corporativos a que temos assistido parece finalmente ter demonstrado para conselheiros, executivos e acadêmicos que o checklist de formalidades da governança corporativa e dos programas de compliance, mesmo quando implementado à risca, não evita grandes desvios éticos. Isso vale para fraudes contábeis, corrupção, cartel, assédio e discriminação, entre outras práticas ilegais, antiéticas ou negligentes.

O que mais influencia o comportamento dos indivíduos em uma organização é sua cultura: as regras tácitas que determinam “como fazemos as coisas por aqui”. Não é incomum que essas regras não estejam em linha com a comunicação da “cultura oficial”, inscrita nos códigos e políticas e repetida por líderes que não conseguem manter a coerência entre discurso e prática.

Os valores éticos – integridade, respeito, cuidado etc. – são uma parte da cultura organizacional. Ela também é composta por pilares que sustentam a estratégia do negócio, como agilidade ou inovação.

A maioria dos trabalhos de transformação cultural conduzidos em empresas brasileiras mistura valores éticos e outros pilares culturais em um mesmo processo. O resultado é que os aspectos éticos da cultura tendem a ser relegados ao segundo plano, pois são os mais sensíveis de abordar.

Além disso, existem os mitos de que “Ética se aprende em casa”; “aqui na empresa, todos são éticos”; “só contratamos pessoas éticas aqui”. Apontar falhas éticas ainda é percebido como uma injúria, como acusar alguém de mau-caráter.

A boa notícia é que cada vez mais líderes entendem que Ética Organizacional é algo que precisa ser trabalhado, assim como os demais aspectos da cultura. Que as organizações – e a sociedade – precisam ser transparentes, intencionais e persistentes na construção de contextos que extraem o melhor – e não o pior – das pessoas. Porque Ética se aprende em casa, mas se desaprende na vida profissional e social.

 

  1. Back to basics

O mundo cada vez mais complexo em que vivemos tem exigido das organizações atenção a uma série de temas que, há até poucos anos atrás, não faziam parte de sua pauta. Só a Agenda 2030 do Pacto Global contempla 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que vão desde acabar com as desigualdades até combater as mudanças climáticas.

Não resta qualquer dúvida de que a agenda ESG é crucial, não apenas para o futuro do capitalismo, mas do próprio planeta e daqueles que nele habitamos.

Porém, sem uma reflexão estratégica e organizada, essa multiplicação de demandas pode levar as organizações a descuidarem do básico. Aliás, os escândalos éticos a que testemunhado nos últimos anos – de Enron a Lehman Brothers, de Volkswagen a Americanas, de Theranos a Purdue Pharma – só demonstram que ainda não demos conta do básico.

Mas o que é “o básico” ou, dito de outra forma, qual é a pauta ética mínima para uma organização? Para mim, é cumprir a lei, ser íntegro, transparente e responsável. Isso pode não ser suficiente, mas são os alicerces éticos sobre os quais outros objetivos – como o combate à desigualdade e às mudanças climáticas – são construídos. Sem esses alicerces, não existe cultura ética. E sem cultura ética, medidas e programas ESG são construídos sobre bases frágeis, podendo até funcionar como greenwashing, desviando a atenção do público de problemas éticos mais profundos.

O Brasil assistiu ao longo deste ano ao escândalo da Americanas e aos prejuízos que a companhia causou a milhares de investidores, fornecedores, colaboradores e tantos outros stakeholders. Uma companhia aberta altamente admirada, integrante do Novo Mercado e do Índice de Sustentabilidade da B3. A Americanas tinha mecanismos formais de governança, tinha compliance e tinha uma série de iniciativas ESG. Qual era o problema da Americanas? A cultura tóxica, ou seja, uma cultura organizacional que não promovia a integridade, a transparência e a responsabilidade.

Integridade, segundo o novo Código de Melhores Práticas de Governança Corporativa do IBGC, significa “praticar e promover o contínuo aprimoramento da cultura ética na organização, evitando decisões sob a influência de conflitos de interesse, mantendo a coerência entre discurso e ação e preservando a lealdade à organização e o cuidado com suas partes interessadas, com a sociedade em geral e com o meio ambiente”. Guardem os vários elementos dessa definição: (i) cultura ética, (ii) não decidir sob conflito de interesse, (iii) coerência, (iv) lealdade e (v) cuidado.

Responsabilidade (accountability ou responsabilização), também nas palavras do Código, relaciona-se à diligência e independência no desempenho das funções, que devem ser exercidas com vistas à geração de valor sustentável no longo prazo.

Minha interação com diversas empresas, principalmente no Brasil, tem me levado a acreditar que muitas estão genuinamente interessadas em trabalhar a cultura ética, além de sua estratégia ESG. Um prospecto animador.

 

  1. Um país dividido

A polarização já constava da minha lista dos desafios éticos para 2023. O problema da polarização não é exclusivamente brasileiro e não se restringe a preferências político-partidárias. Ele se estende a temas morais, religiosos, sociais e outros, afetando todas as esferas de nossa vida. Ao longo do ano, opiniões radicais sobre a guerra Hamas-Israel tomaram as redes sociais, universidades e organizações em geral. Foi interessante observar como essas opiniões brotaram de fontes sem qualquer proximidade ou conhecimento da milenar história da região. Os seres humanos têm mais desejo de pertencer à sua tribo ideológica do que de buscar entender as situações. Um viés que deveríamos estar combatendo.

No Brasil, o fim das eleições não arrefeceu a grave divisão social que vimos observando já há alguns anos. Segundo o levantamento da Edelman Trust Barometer divulgado pela CNN Brasil[1], 78% avaliaram que o país está mais dividido do que no ano anterior e 80% apontam que a falta de respeito mútuo cresceu no país. A pesquisa da empresa mostra que o Brasil corre o risco de ingressar na zona de “polarização severa”, onde estão países como Argentina e EUA.

As empresas são atingidas por esse fenômeno de várias formas. Elas têm sido chamadas a opinar sobre diversas questões controversas alheias à gestão empresarial tradicional, sofrendo críticas por adotarem posturas neutras. O diálogo entre equipes e com stakeholders enfrenta desafios adicionais decorrentes da falta de empatia e tolerância: ainda não aprendemos a praticar o pluralismo, que é a diversidade e inclusão de pessoas com visões de mundo diferentes das nossas. O policiamento sobre opiniões e linguagem e o consequente medo do cancelamento – nas redes sociais e na vida – acirram ânimos e silenciam pessoas que teriam contribuições importantes para suas organizações.

Executivos e conselheiros devem manter-se atentos a como essa realidade impacta a organização e como incorporar o efetivo pluralismo na cultura organizacional, ao mesmo tempo em que se combate posturas e opiniões que atentam contra os direitos humanos, a democracia ou os valores da própria organização.

 

  1. A busca da verdade em uma realidade complexa

Outro tema que deve continuar nos desafiando a buscar soluções equilibradas é o combate às fake news e ao discurso de ódio nas redes sociais. Essa luta é necessária e urgente.

O jornalismo de qualidade, independente e confiável, as agências independentes de checagem de fatos e a sociedade civil têm papel relevante nesse esforço. A pesquisa Edelman Trust Barometer citada acima também demonstra que os brasileiros desejam mais engajamento das empresas na divulgação de informações de qualidade.[2]

O risco aqui é permitirmos o controle da verdade pelo Estado, que não detém a independência necessária para fazê-lo. No Brasil, já temos assistido a iniciativas de intervenção excessiva nas liberdades de expressão e de imprensa. Para dar apenas um exemplo, ainda convivemos com o famigerado Inquérito das Fake News, aberto de ofício pelo STF em 2019 para investigar a existência de notícias falsas que possam configurar calúnia, difamação e injúria contra os membros da Suprema Corte. Trata-se de procedimento sigiloso, instaurado e conduzido por aqueles que se consideram ofendidos (ou seja, sem independência e imparcialidade), criticado por não respeitar os direitos inerentes ao devido processo legal, sob a égide do qual já foram tomadas diversas medidas de intervenção na liberdade de expressão e imprensa, como suspensão de conteúdo, bloqueio de perfis, buscas e apreensões etc.

O chamado Projeto de Lei das Fake News não foi aprovado, pois dava margem à intervenção estatal nas redes, sem definir o órgão responsável por esse controle, sua composição, o limite de seus poderes etc.

Esse tema não está resolvido. A regulação é necessária, mas é imprescindível que o controle seja feito por órgãos independentes, onde estejam representados todos os stakeholders afetados.

Por ora, a sociedade civil e as organizações privadas devem buscar formas de colaborar com a disseminação de informações confiáveis e que não coloquem mais lenha na fogueira da polarização.

 

  1. Inteligência Artificial

A IA adiciona uma nova camada de complexidade aos desafios éticos que já enfrentamos. Sistemas de IA podem contribuir para o bem da humanidade. Porém, se não forem desenvolvidos e utilizados com responsabilidade e transparência, podem potencializar problemas já suficientemente graves como a polarização, a desinformação, o discurso de ódio, a discriminação, entre outros.

O Brasil também discute um Projeto de Lei para regular a IA. Nessa discussão, deve-se novamente buscar o equilíbrio entre a intervenção da regulação estatal e as outras formas de controle das empresas que desenvolvem e utilizam essa tecnologia.

A governança de IA é um tema em construção, que convida líderes empresariais, academia, empresas e think tanks a contribuírem para o desenho de um framework adequado e equilibrado.

 

  1. Ética como um Processo de Desenvolvimento Individual

Se você leu este artigo até aqui, talvez esteja desanimado com a dimensão e a complexidade dos desafios que estamos enfrentando.

Uma convicção que tive ao longo de 2023 foi de que não é possível resolver problemas com o mesmo nível de consciência que os criou. Parece que foi Einstein quem disse essa frase.

A jornada de desenvolvimento ético, portanto, deve passar por uma ampliação de consciência. Um trabalho interno mais profundo.

Em 2023, chegou ao Brasil o movimento dos Inner Development Goals[3] ou Objetivos de Desenvolvimento Interno. O framework dos IDGs organiza competências individuais que devemos buscar desenvolver para nos capacitarmos a contribuir com a construção de um mundo melhor. Elas estão agrupadas em 5 pilares: Ser. Pensar. Relacionar-se. Colaborar. Agir.

Os conceitos incorporados nos IDG não são novos. Há décadas, vêm sendo trabalhados em meios acadêmicos e corporativos em abordagens como a Teoria U de Otto Scharmer, a Teoria Integral de Ken Wilber, os Níveis de Consciência de Richard Barrett, entre tantas outras. Porém, com resultados muito limitados.

Talvez tenha chegado a hora de buscarmos novos métodos, novas experiências, novas interações com outros indivíduos e com a natureza.

É uma jornada que estou perseguindo. E que incentivo todos a conhecerem.

 

[1] https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pesquisa-aponta-aumento-da-polarizacao-e-queda-da-civilidade-no-brasil/

[2] https://www.edelman.com.br/sites/g/files/aatuss291/files/2023-04/2023%20Edelman%20Trust%20Barometer_Brazil%20Report_POR%20%281%29_0.pdf

[3] https://www.innerdevelopmentgoals.org/framework

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